A propagação da doença numa determinada zona pode ser reduzida pela deteção e confirmação precoce dos casos, seguidas de uma resposta multissectorial apropriada e bem coordenada. Para facilitar uma resposta rápida e eficaz aos surtos, os países em risco de cólera devem elaborar e implementar planos e programas de preparação para a cólera.

Fontes comuns de infeção pela cólera na comunidade

  • Contaminação fecal da água de beber na fonte (poços, furos, fontanários não protegidos), durante o transporte ou abastecimento, ou durante o armazenamento (por exemplo, por contacto com mãos contaminadas por fezes);
  • Alimentos não cozinhados ou lavados com água contaminada, bebidas feitas com água contaminada que não sejam posteriormente fervidas, gelo feito com água contaminada;
  • Utensílios de cozinha e talheres lavados com água contaminada;
  • Alimentos contaminados, durante ou depois de cozinhados ou preparados, e que permaneçam à temperatura ambiente durante várias horas constituem um ótimo ambiente para o crescimento do V. cholerae;
  • Frutos do mar, em particular os crustáceos e outro marisco, apanhados em água contaminada e comidos crus ou malcozidos ou contaminados durante o processo de preparação;
  • Fruta e vegetais criados na terra e fertilizados com solo noturno, irrigados com água contendo resíduos humanos ou lavados com água contaminada e depois comidos crus, ou contaminados durante o seu manuseamento, lavagem e preparação;
  • Muitas das fontes acima mencionadas encontram-se nos mercados e/ou vendedores de rua e nos terminais de transportes (p. ex., estações de autocarros);
  • Outras fontes de contaminação incluem os corpos de pessoas que tenham morrido com cólera, incluindo durante as cerimónias fúnebres, quando os cadáveres são tocados ou onde se partilham alimentos; e
  • Os familiares e vizinhos próximos dos pacientes com cólera correm maior risco de contrair cólera nos dias imediatamente seguintes à doença do paciente. O risco diminui com o tempo e a distância.

Mobilização social e envolvimento comunitário

  • Uma epidemia de cólera pode ser controlada mais rapidamente quando as pessoas afetadas sabem como se proteger, a si e aos seus familiares, e quando a comunidade se empenha em ajudar a limitar a propagação da doença.
  • Elaborar ou usar um conjunto preparado de mensagens harmonizadas sobre a prevenção da cólera, testando-as previamente na comunidade e garantir a sua validação pelo Ministério da Saúde, para serem usadas por todos os parceiros. As mensagens devem conter um texto limitado e ilustrações de demonstração prática (tais como, imagens mostrando os procedimentos de cloração da água, preparação de SRO, lavagem das mãos) e estar alinhadas com os programas em vigor de prevenção da cólera (por exemplo, quando são distribuídos produtos para o tratamento de água, adaptar as mensagens a esses produtos).
  • Adaptar as mensagens às crenças culturais locais acerca da doença e à capacidade de implementar as medidas de controlo na comunidade (por exemplo, se não houver sabão nem cloro, recomendar o uso de cinzas ou cal para lavar as mãos).
  • Escolher a melhor forma de divulgar mensagens à comunidade.
    • Transmitir mensagens-chave através dos meios de comunicação social de massa (rádio, TV, comunicados de imprensa, redes sociais, SMS), pequenos meios de comunição (incluindo folhetos, cartazes, bonés, T-shirts, canções), comunicação interpessoal (por exemplo, sessões de esclarecimento com os líderes comunitários ou religiosos e conversas nos locais onde as pessoas normalmente se reúnem, tais como unidades de saúde, , igrejas, mesquitas, terminais de transportes, mercados e outros).
    • Adaptar as mensagens aos grupos-alvo (homens, mulheres, adolescentes, pessoas iletradas) e transmiti-las na língua local.
    • Este tipo de mensagens deve ser uma parte da abordagem multissectorial visando as zonas onde se regista um elevado número de pacientes.

Para mais informações ver:

Acesso à água potável

  • O acesso à água segura por parte da população afetada é essencial para reduzir a propagação da doença na comunidade. Se possível, disponibilizar o acesso a água segura nas zonas afetadas onde o risco de cólera é elevado.
  • Mesmo que a fonte de água seja segura, a água pode ser facilmente contaminada durante a sua recolha, transporte e armazenamento . A intervenção relativa à água potável deve, portanto, começar com uma fonte de água melhorada e ser seguida pela recolha, manuseamento e armazenamento de água potável.
  • A análise do conteúdo determinará o melhor método para o tratamento da água (na fonte ou no ponto de uso). A escolha do método de tratamento da água (filtração, desinfeção, cloração) depende dos recursos e técnicas disponíveis dos parâmetros (físicos e microbiológicos) da água a tratar. Combinar os tratamentos (usados em conjunto, quer simultaneamente, quer sequencialmente) aumentará a eficácia.
    • em água muito turva, pode ser necessário um pré-tratamento (sedimentação, floculação ou coagulação) para remover as partículas suspensas e reduzir a turvação, antes da desinfeção ou cloração. Os níveis de turvação podem ser medidos com um tubo de turvação.
  • Se a água for clorada, monitorizar regularmente os níveis de CRL e manter o nível apropriado adaptando a dosagem e a frequência da cloração, se necessário.
    • O CRL recomendado após 30 minutos de tempo de contacto é 1 mg/L para a água na fonte (poços e furos) e 0,5 mg/L no ponto de uso (na torneira ou recipiente de armazenamento).
    • Os limites ótimos de pH em que o cloro é eficaz são 6,5–8,5. Os níveis de CRL e pH podem ser testados com um fotómetro ou colorímetro (vulgarmente conhecido como medidor para piscinas).
  • Quando a qualidade da água na fonte não pode ser garantida, é necessário um processo de tratamento para desinfetar a água no ponto de uso (torneiras, bacias ou recipientes de armazenamento).
  • Há vários métodos para tratamento da água doméstica, incluindo: ferver, desinfetar, clorar e filtrar.
    • Se forem promovidos produtos de tratamento de água, assegurar que as famílias entendam as respetivas técnicas de tratamento da água e o efeito residual do cloro (se usado).
    • Para facilitar a preparação correta dos produtos de tratamento da água doméstica, assegurar que as famílias tenham recipientes para água de dimensão adequada, de preferência fechados e de bocal estreito.
    • Assegurar que as famílias estejam envolvidas nos programas de monitorização da qualidade da água quando o cloro é usado para tratar a água doméstica.
  • A recolha, transporte, manuseamento e armazenamento da água potável também devem ser assegurados e a qualidade da água regularmente monitorizada, para minimizar o risco de novo crescimento de micróbios. Para minimizar o risco de contaminação:
    • encorajar o uso de recipientes fechados e de bocal estreito com um dispensador protegido (torneira, bica) para extrair a água; os recipientes devem ser regularmente limpos e deve ser observada a boa higiene das mãos, para reduzir uma potencial contaminação, ao encher ou retirar água; e
    • se isso não for possível, assegurar que a água seja guardada num recipiente limpo e coberto, como um balde ou um pote grande.
  • Transmitir as mensagens WASH à comunidade para evitar a cólera. Fornecer produtos de tratamento doméstico da água e recipientes para água que sejam fechados e tenham bocal estreito, com vista a apoiar boas práticas de higiene, conforme for mais indicado. As zonas que notifiquem casos de cólera devem ter prioridade.
  • Assegurar que os profissionais de saúde e os funcionários ou voluntários que trabalham na comunidade têm a devida formação para ensinar aos locais os métodos de tratamento da água potável, incluindo a sua recolha, transporte, manuseamento e armazenamento. Também a educação em higiene das mãos ao encher ou retirar água é importante para reduzir o risco de contaminação.
  • Envolver a comunidade no desenvolvimento e monitorização de intervenções que proporcionem o acesso à água potável para prevenir a cólera.

Para mais informação, veja World Health Organization (WHO). Guidelines for drinking-water quality. Fourth edition. Geneva: WHO; 2011 (http://www.who.int/water_sanitation_health/publications/2011/dwq_guidelines/en/).

Preparação segura dos alimentos

  • A preparação segura dos alimentos é importante para reduzir a transmissão da cólera na comunidade.
  • Os alimentos podem ser contaminados pelo V. cholerae durante a sua produção, preparação ou consumo.
  • As regras básicas para a preparação segura dos alimentos devem ser incluídas como parte dos programas de promoção da saúde e higiene.
  • Para mais informações sobre a preparação segura dos alimentos, veja o Apêndice 15 – regras para a preparação segura dos alimentos destinadas a prevenir a cólera.
  • Os vendedores de rua e os mercados com acesso inadequado à água potável e ao saneamento, ou inadequada higiene das mãos, podem ser um importante veículo de transmissão da cólera.
    • Reforçar as medidas de segurança alimentar e a inspeção de restaurantes, vendedores de comida e fábricas de processamento de alimentos, assim como evitar práticas agrícolas não seguras (como, usar água de esgotos para irrigar as plantações).
    • Dar formação ou reforçar as práticas de preparação segura dos alimentos.
    • Promover a higiene das mãos e instalar estações de lavagem das mãos com sabão e água potável nos mercados e postos de venda de alimentos.
    • Distribuir materiais de IEC sobre preparação segura dos alimentos e mensagens de higiene.

Higiene e acesso a saneamento melhorado

  • É importante isolar as fezes para evitar a contaminação dos alimentos e da água com matéria fecal.
  • Melhorar o acesso a instalações sanitárias (por exemplo, sanitários ligados à rede pública de esgotos ou a uma fossa séptica, sanitários com descarga, latrinas de fossa seca, latrinas melhoradas com ventilação). Os sanitários devem ser colocados onde não possam contaminar as fontes de água potável (pelo menos à distância de 30 metros de uma fonte de água e a 2 metros acima da água subterrânea).
  • Desencorajar a defecação a céu aberto e trabalhar com as comunidades no sentido de assegurar a eliminação segura dos dejetos.
  • Assegurar a gestão e eliminação segura dos dejetos durante o surto. Contudo, evite esvaziar as latrinas durante os surtos de cólera. Se as latrinas tiverem de ser esvaziadas, tomar todas as precauções para evitar a contaminação durante o esvaziamento e garantir a eliminação segura dos dejetos.
  • Envolver a comunidade em todas as fases da conceção e implementação dos projetos de saneamento no local, para garantir o acesso e a utilização das instalações. Instalar estações de lavagem de mãos com sabão e água potável perto de todos os sanitários.
  • Assegurar a formação apropriada dos profissionais de saúde, para que possam ensinar as populações locais sobre boas práticas de higiene e relação entre o saneamento, o abastecimento de água e os comportamentos de saúde e higiene.
  • Promover programas sólidos de higiene para garantir o sucesso dos programas de saneamento. Os principais pontos devem incluir a lavagem das mãos após a defecação e depois de lidar com as fezes de uma criança.

Práticas de funerais seguros e manuseamento dos cadáveres na comunidade

  • Os funerais de pessoas que morreram de cólera podem contribuir para disseminar uma epidemia.
    • Os corpos das pessoas que morreram de cólera representam um risco elevado de transmissão porque os fluidos corporais contêm elevadas concentrações do V. cholerae.
    • Os funerais podem contribuir para a propagação geográfica da cólera, uma vez que as pessoas que participam na cerimónia podem ser infetadas e levar a doença de volta para as suas comunidades.
    • A contaminação pode ocorrer durante os funerais quando os alimentos e as bebidas são preparadas por indivíduos que também prepararam ou tocaram no corpo.
  • Considerar sempre as crenças e práticas sociais, culturais e religiosas das comunidades. A família deve ser devidamente informada acerca do processo de funeral condigno e dos seus direitos religiosos e pessoais. É preciso ter a certeza que a população concorda com todas as modificações das práticas culturais, antes de iniciar o enterro.
  • É importante ter uma conversa com os líderes comunitários, no sentido de se encontrar uma forma de respeitar as práticas da comunidade e manter a população segura através de medidas preventivas, incluindo:
    • Evitar grandes concentrações de pessoas no funeral. Se isso não for possível, assegurar que todas as medidas de proteção foram tomadas, incluindo estações de lavagem de mãos (sabão e água potável, ABHR ou, em caso de indisponibilidade, uma solução de cloro a 0,05%) disponíveis para os participantes no funeral.
    • Evitar que os participantes no funeral toquem no corpo do falecido. Se tocarem no corpo, devem lavar imediatamente as mãos e evitar tocarem na boca. Também podem ser usadas luvas descartáveis que serão imediatamente eliminadas. Não deve ser permitido beijar o corpo.
    • Evitar servir alimentos no funeral. Se isso acontecer, os alimentos devem ser comidos quentes e a lavagem das mãos deve ser obrigatória antes de preparar ou comer alimentos. Um profissional de saúde designado para o funeral pode ser útil para supervisionar e ajudar no uso de práticas de higiene.
  • Para impedir a propagação da cólera, o manuseamento dos cadáveres deve ser reduzido ao mínimo e o enterro deve realizar-se tão rapidamente quanto possível (de preferência 24 horas depois da morte).
  • As pessoas com formação adequada para lavarem e prepararem o corpo devem usar luvas, batas e máscaras. O corpo deve ser limpo com solução de cloro a 2%. Não esvaziar os intestinos. A boca, nariz e ânus (mas não a vagina) devem ser enchidos com algodão hidrófilo embebido numa solução de cloro.
  • Minimizar o manuseamento do corpo das pessoas que morreram com cólera. Para o transporte de pessoas que tenham morrido de cólera, os indivíduos que transportam o corpo devem usar luvas. O corpo deve ser cuidadosamente embrulhado, de preferência num saco para cadáveres. Apenas pessoas devidamente formadas devem manusear os corpos durante o processo do enterro.
  • Desinfetar o vestuário e a roupa de cama do falecido com uma solução de cloro apropriada (0,2%). Se não houver cloro, as roupas podem ser desinfetadas agitando-as durante 5 minutos em água a ferver e colocadas a secar à luz direta do sol ou lavando-as com sabão e deixando-as secar bem à luz direta do sol.
  • A pedido, os familiares podem estar presentes durante a preparação do corpo para o enterro. Devem ser informados sobre o modo de se protegerem contra a infeção, devendo ser-lhes fornecido equipamento de proteção individual e serviço de lavagem de mãos.

Para mais informação

  1. Cholera outbreak: assessing the outbreak response and improving preparedness. Global Task Force on Cholera Control. 2010 Click here
  2. Communicating for cholera preparedness and response. UNICEF Cholera Toolkit. 2013 Click here
  3. Hygiene promotion in emergencies. World Health Organization. July 2013.Click here
  4. Managing a cholera epidemic. Chapter 4. Strategies for epidemic response. MSF. August 2017.Click here
  5. Guidelines for drinking-water quality, fourth edition. World Health Organization. 2011 Click here