Vigilância epidemiológica

  • Descrever o surto (quem é afetado, localização do surto e sua evolução) para orientar as medidas de controlo.
  • Monitorizar e avaliar o impacto das intervenções implementadas.
  • Conduzir investigações de campo nas zonas afetadas, incluindo a busca ativa de casos, explorar possíveis fontes de contaminação e identificar fatores de risco e vias de transmissão. Se possível, testar as fontes de água para beber dos pacientes para verificar contaminação fecal ou, se a água foi declarada como clorada, testar para cloro residual livre (CRL).
  • Durante as investigações de campo, incluir uma componente de intervenção, nomeadamente a distribuição de produtos de tratamento da água e SRO e divulgar mensagens-chave de educação para a saúde. As intervenções devem ser priorizadas para famílias e vizinhos de indivíduos com cólera.
  • Mapear a localização das casas e fontes de água onde tenham sido encontradas pessoas com cólera, para ajudar a identificar as zonas de risco, direcionar as intervenções e monitorizar a propagação da doença.
  • Implementar medidas de prevenção e controlo de exposições ou potenciais suspeitas de riscos. Se os recursos permitirem, pode-se realizar um estudo caso-controlo que poderá ajudar a identificá-los. Não retardar a implementação das medidas de prevenção e controlo.

Recolha de dados

  • Uma listagem de casos padrão deve estar disponível em todas as unidades de saúde e os dados devem ser colhidos por todos os parceiros. Se necessário, pode-se fornecer um modelo (ver Apêndice 5 – modelo de listagem de casos de cólera).
  • Consoante a capacidade do país, os registos podem ser feitos em formulários de papel eletrónicos.
  • A informação sobre os casos inclui: nome, idade, sexo, local de residência (na área administrativa reconhecida como mais baixa), data da visita, situação da desidratação e plano de tratamento, hospitalização, resultado, data da alta ou morte, colheita de amostra de fezes, resultado do TDR e confirmação laboratorial (cultura e/ou PCR) e situação vacinal. Podem também ser incluídas no registo outras informações sobre exposição, ocupação, gravidez, estado de malnutrição, pontos precisos de localização geográfica ou georeferenciamento (GPS) da casa do paciente, etc.
  • Os dados devem ser compilados diariamente e notificados às autoridades sanitárias locais através dos canais existentes. As fichas e registos dos pacientes devem ser guardados desde o início até ao final da epidemia.
  • Garantir que os agentes comunitários de saúde sejam formados e integrados no sistema de vigilância e que recolham e notifiquem sistematicamente os casos suspeitos e os óbitos que ocorrem na comunidade, especialmente nas zonas remotas. Implementar a vigilância baseada na comunidade nas zonas onde for necessário.
  • Os agentes comunitários de saúde devem registar e notificar a unidade de saúde ou a direção distrital de saúde, do número de casos e óbitos que ocorrem na comunidade onde as pessoas não procuraram apoio médico e que, consequentemente, não estão registadas nas unidades de saúde (ver Apêndice 6 – registo semanal da vigilância baseada na comunidade).

Notificação de dados

  • Notificar o número agregado de casos e óbitos por cólera — tanto os registados nas unidades de saúde como os ocorridos na comunidade — por faixa etária (no mínimo em, menores de cinco anos e com cinco anos de idade ou mais) às unidades de vigilância/direções das autoridades sanitárias (distritais, regionais ou nacionais).
  • Os procedimentos de notificação podem incluir formulários de notificação em papel, métodos eletrónicos ou telefone.
  • Os dados agregados em cada nível de atenção de saúde antes da notificação ao nível seguinte mais alto das autoridades sanitárias (Figura 1).
  • Garantir que os parceiros (ONG, agências internacionais, etc.) que gerem as estruturas privadas para a cólera também façam a notificação às autoridades sanitárias locais (a nível distrital ou nacional).
  • Compilar, validar e analisar os dados em cada nível de atenção de saúde para descrever o surto, monitorizar as tendências e identificar as populações de risco e orientar as medidas preventivas e de controlo.
  • Os laboratórios também devem informar e atualizar a unidade de vigilância acerca do número de casos positivos e padrões de sensibilidade antimicrobiana. Essa informação deve ser partilhada como parte de atualizações epidemiológicas regulares.
  • Assegurar a troca de dados com outros países quando existe o risco de transmissão transfronteiriça. Os distritos de alto risco partilham frequentemente fronteiras com outros países.

Periodicidade da notificação

  • Numa zona anteriormente não afetada ou numa zona sem casos recentemente notificados, comunicar imediatamente (num período de 24 horas) qualquer alerta de cólera ao nível seguinte da autoridade de saúde (distrital, regional ou nacional) para que sejam feitas investigações no terreno que confirmem ou excluam a existência de um surto.
  • Os agentes comunitários de saúde devem comunicar imediatamente qualquer sinal de alerta à unidade de saúde mais próxima ou à autoridade de saúde distrital.
  • Numa zona em que tenha sido declarado um surto de cólera, notificar diária ou semanalmente o número de casos e óbitos — tanto registados na unidade de saúde, como ocorridos na comunidade — para monitorizar o surto e orientar e adaptar as medidas de controlo.
  • Numa zona onde a cólera seja comum, com casos durante todo o ano, notificar, pelo menos, semanalmente o número de casos e óbitos — tanto os registados na unidade de saúde como os que ocorrem na comunidade — para estimar os indicadores básicos da vigilância (taxas de incidência, ataque e letalidade, TA e TL), avaliar o impacto das intervenções e ajudar a planear as estratégias de controlo.
  • Os laboratórios devem notificar imediatamente os resultados dos testes dos casos suspeitos às autoridades sanitárias e às unidades de saúde , enviando a amostra, especialmente numa zona anteriormente não afetada.
  • Uma vez declarado um surto, o laboratório deve notificar periodicamente o número de amostras recebidas, o número de amostras testadas e os resultados dos testes, por data e zona de notificação, às autoridades sanitárias.

Figura 1. Fluxo da informação

Fig1

 

Análise dos dados

 

  • As autoridades sanitárias devem recolher e analisar atempadamente os dados recebidos de todas as fontes, para descrever a situação, identificar as populações de risco e iniciar as necessárias medidas de prevenção e controlo. As taxas de incidência, a TL e a TA são indicadores epidemiológicos fundamentais.
  • As unidades de saúde devem igualmente realizar uma análise dos dados dos casos e óbitos ocorridos na unidade de saúde .
  • Elaborar regularmente (diária ou semanalmente) boletins epidemiológicos ou relatórios de situação para distribuir entre os parceiros a nível distrital e nacional (ver Apêndice 7 – esboço do relatório de situação sobre o surto).
  • Incluir todos os sectores (saúde, WASH, promoção da higiene, etc.) e parceiros (autoridades nacionais, parceiros nacionais e internacionais) na divulgação da informação sobre os surtos, para orientar a adaptar as atividades de controlo e prevenção. Os parceiros devem trocar informações para orientação das ações.
  • Se disponível, considerar os dados históricos de surtos anteriores para uma melhor interpretação da análise.
  • Considerar a realização de estudos epidemiológicos (tais como, CAP e estudos de controlo de casos) para identificar os fatores de risco e os padrões de transmissão.

Epidemiologia descritiva

Por pessoa

  • Fornecer a descrição de casos (suspeitos e confirmados) por idade (menos de 5 anos e 5 anos de idade ou mais) na comunidade e nas unidades de saúde, para identificar e descrever a população afetada. Se houver números disponíveis relativamente à população, o número de casos pode ser expresso como taxas de incidência (TI) e taxas de ataque (TA).
  • Incluir o número de pacientes hospitalizados e a proporção de casos por estado de desidratação ou plano de tratamento aplicado.
  • Fornecer o número de óbitos (em unidades de saúde e na comunidade) numa região ou distrito, ao longo do tempo. O risco de morrer com cólera é, normalmente, expresso em taxa de letalidade (TL), dividindo o número de óbitos imputáveis à cólera pelo número total de casos de cólera (suspeitos e confirmados).

Por tempo

  • Fornecer a descrição de casos e óbitos ao longo do tempo para monitorizar a evolução e magnitude da epidemia; os dados são, normalmente, apresentados como uma curva epidémica num histograma, traçando o número de casos por data da visita ou data de início dos sintomas.
  • O risco de morte por cólera é representado na curva epidémica pela TL para cada período de tempo (i.e., diariamente, semanalmente ou mensalmente). Isso é, normalmente, apresentado como uma linha sobreposta ao gráfico de barras.

Por local

  • Fornecer a distribuição geográfica dos casos por local de residência (por aldeia, distrito e região ) para identificar as zonas afetadas de maior risco e para monitorizar a extensão do surto.
  • Se possível, recolher os pontos GIS e criar mapas das casas dos pacientes e das fontes de água para ajudar a identificar as zonas de alto risco. A recolha deste tipo de dados pode ser feita pelas equipas WASH/ambientais, voluntários, agentes comunitários de saúde e outros, que estejam encarregados da promoção da saúde ou ao fazerem o acompanhamento da distribuição de kits de higiene nas casas dos pacientes.

Taxa de incidência (TI)

  • A TI mostra a velocidade a que ocorrem os novos casos num determinado período de tempo (normalmente, por semana) numa determinada zona ou numa população específica (por exemplo, uma faixa etária).
  • A TI pode ser expressa por 100 (percentagem), por 1000, por 10 000 pessoas ou até mais no caso de um pequeno número de casos.
  • A TI indica a evolução da epidemia e a rapidez da sua propagação. Pode ser comparada entre grupos e com outras zonas, uma vez que a incidência é ajustada por população.

formula-1

Taxa de ataque (TA)

  • A TA é a incidência cumulativa da cólera ao longo de um período de tempo definido (normalmente, a duração de uma epidemia) numa determinada zona e população.
  • A TA é, normalmente, expressa como percentagem e pode ser calculada por idade e zona.
  • A TA indica o impacto da epidemia na população.
    • Nas comunidades rurais com baixa densidade populacional, a TA pode variar (0,1–2%)
    • Em locais superpovoados (como cidades, campos de refugiados), a TA tende a ser mais elevada (1–5%).
    • Em contextos sem imunidade e más condições de abastecimento de água e saneamento, a TA pode exceder 5%.

formula-2

Taxa de letalidade (TL)

  • A TL é a proporção de óbitos por cólera entre o número total de casos num período de tempo específico, expressa como percentagem.
  • As óbitos que ocorrem nas UTC/CTC e na comunidade devem ser registadas e analisadas separadamente. Calcular a TL nas unidades de sanitárias e na comunidade.
  • A TL, calculada com os óbitos e os casos registados numa determinada estrutura de saúde, é um indicador da adequada gestão dos casos e do acesso ao tratamento. A morte de uma pessoa com cólera em qualquer momento depois da chegada a uma unidade de saúde é considerada uma morte institucional.
  • A TL da cólera pode chegar aos 50%, se não for administrado tratamento adequado aos pacientes com desidratação grave. Com tratamento adequado e apropriado, ninguém deveria morrer de cólera. Um centro de tratamento com uma TL inferior a 1% é considerado como um centro bem gerido.
  • Uma TL elevada pode indicar:
    • mau acesso ao tratamento – os pacientes chegam com a doença já avançada (com desidratação grave) devido a fatores como as longas distâncias até aos centros de tratamento, falta de meios de transporte, barreiras culturais, crenças ou falta de informação sobre quando e onde poderão receber tratamento ou custos dos cuidados;
    • inadequada gestão dos casos devido a fatores como falta de profissionais de saúde com a formação adequada, falta de material e instituições sobrecarregadas; e/ou viés na vigilância, quando os óbitos são registados com maior rigor do que o número de casos (por exemplo, os casos vistos em ambulatório não são registados).
  • Se a TL for elevada, uma avaliação da estrutura de tratamento, incluindo o acesso precoce aos cuidados, deve ser efetuada para identificar as causas e implementar medidas corretivas (ver Secção 6 – unidades de tratamento da cólera).

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Vigilância laboratorial

  • Uma vez declarado um surto, registar e notificar a existência de uma suspeita de cólera.
    • Lembrar: nas zonas em que tenha sido declarado um surto de cólera, um caso suspeito de cólera é definido como uma pessoa que se apresente ou esteja a morrer com diarreia aquosa aguda.
  • Não é necessário confirmar todos os casos suspeitos no laboratório.
  • Fazer a confirmação laboratorial por cultura ou PCR dos casos suspeitos de cólera em cada nova zona (distrito, província ou região) afetada pelo surto (ver Secção 2 –confirmação do surto).
  • Efetuar a amostragem periódica dos casos suspeitos para monitorizar o surto, determinar o perfil de sensibilidade aos antimicrobianos e proceder à monitorização contínua das estirpes.
    • Se estiverem disponíveis TDR, enviar amostras dos pacientes com TDR positivo para um laboratório. Alternativamente, enviar amostras dos pacientes com desidratação grave.
    • O número de amostras recolhidas e testadas depende da capacidade do laboratório e da extensão e magnitude do surto
    • Idealmente, enviar um mínimo de cinco amostras (de pacientes selecionados ao acaso) por semana e por unidade de saúde com internamento.
    • Nos pacientes confirmados, realizar testes de sensibilidade aos antimicrobianos para orientar o tratamento com antibióticos; contudo, isso não é necessário para casos individuais. Pelo menos, um paciente confirmado por semana de uma zona afetada deve ser testado para monitorizar os padrões de sensibilidade aos antimicrobianos.
    • Os resultados de sensibilidade aos antimicrobianos devem ser comunicados aos profissionais de saúde, para que estes possam adaptar o tratamento com antibióticos em conformidade (ver Secção 7 – gestão dos casos nas unidades de tratamento)
  • Numa situação de um surto de grande magnitude ou de nível nacional, selecionar um número representativo de unidades de saúde ou UTC/CTC (postos sentinela) para a colheita das amostras para testagem. Os postos sentinela devem ser selecionados de modo a representarem as principais zonas afetadas.
  • Contactar os laboratórios de referência internacionais para o controlo externo da qualidade e para o envio das amostras para posterior caracterização baseados no ADN.

Vigilância ambiental

A amostragem ambiental para detetar as estirpes dos surtos do V. cholerae não tem um objetivo imediato na intervenção de saúde pública a não ser em circunstâncias invulgares em que a cólera é rara ou desconhecida e parece provável que exista uma única fonte. Os testes à água devem centrar-se nos níveis de CRL e nos testes básicos para a contaminação fecal. Os benefícios da amostragem ambiental, como a monitorização a longo prazo e a identificação das estirpes, são, principalmente, de interesse para a investigação ou monitorização da eliminação e, portanto, fora do âmbito deste documento.

Para mais informação

  1. Interim Guidance Document on Cholera Surveillance. Global Task Force on Cholera Control-Surveillance Working Group. June 2017.Click here
  2. Technical Guidelines for Integrated Disease Surveillance and Response in the African Region. Second Edition. 2010.Click here
  3. Interim Technical Note Introduction of DNA-based identification and typing methods to public health practitioners for epidemiological investigation of cholera outbreaks. Global Task Force on Cholera Control. June 2017Click here
  4. Managing a cholera epidemic. Chapter 2. Outbreak investigation. MSF. August 2017.Click here
  5. Cholera outbreak: assessing the outbreak response and improving preparedness. Global Task Force on Cholera Control. 2010Click here