Visão geral do tratamento

  • O rápido acesso à terapia de reidratação é o principal tratamento para todo o espectro clínico de pacientes com cólera.
  • Os pacientes sem sinais de desidratação são tratados com solução de reidratação oral (SRO) em casa, na comunidade ou em unidades de saúde. Os postos de reidratação oral (PRO) são usados para administrar SRO.
  • Os pacientes com alguns sinais de desidratação são tratados com SRO e atentamente monitorizadas numa unidade de tratamento da cólera.
  • Os pacientes com desidratação grave exigem reidratação endovenosa, antibióticos e uma atenta monitoração numa unidade de tratamento da cólera.

Acesso ao tratamento da cólera

  • Selecionar um local do PRO e alocar as estruturas de internamento para o tratamento da cólera (CTU/CTC) para assegurar um rápido acesso dos pacientes das comunidades afetadas.
  • Os PRO devem ser o mais descentralizados possível, podendo transferir os pacientes para CTU/CTC mais centrais.
  • Fatores a considerar na seleção dos postos:
    • zonas com elevadas taxas de incidência, grande número de pacientes, elevada TL ou muitas mortes notificadas na comunidade;
    • zonas com mau acesso a cuidados de saúde por razões geográficas, económicas ou sociais.
  • Se possível, envolver as comunidades e as autoridades locais na seleção dos postos.

Postos de reidratação oral (PRO)

  • Proporcionar o rápido acesso a uma solução de reidratação oral (SRO) para salvar vidas.
  • Um PRO fornece a reidratação oral como primeira linha de tratamento a nível das comunidades, como um elemento altamente descentralizado dos serviços de gestão de casos.
  • Não é necessária uma estrutura específica para a administração de SRO: os PRO podem ser fixos ou móveis ou ainda integrados numa estrutura de cuidados de saúde, mas não há serviços de cuidados aos pacientes durante a noite. Contudo, devem ser implementadas medidas básicas de PCI para evitar que os PRO sejam uma fonte de contaminação
  • Os PRO administram tratamento oral aos pacientes com suspeita de cólera e desidratação, transferindo assim os pacientes com alguma desidratação ou desidratação grave para as unidades de tratamento da cólera (se possível, depois de administrarem SRO).
  • Os PRO devem prestar cuidados durante todo o dia, 7 dias por semana.
  • Sempre que possível, envolver e treinar os agentes comunitários de saúde ou os voluntários da comunidade na preparação e distribuição de SRO na comunidade, avaliação e tratamento dos pacientes e transferência dos pacientes com alguma desidratação ou desidratação grave para outros cuidados.
  • Qualquer programa que administre SRO é também um bom mecanismo para transmitir mensagens de educação em saúde e higiene.

Unidades de tratamento da cólera em internamento CTU/CTC)

  • Os centros de tratamento da cólera (CTC) e unidades mais pequenas de tratamento da cólera (CTU) são estruturas de cuidados de saúde em internamento criadas durante os surtos para isolar e tratar os pacientes com cólera.
  • Tradicionalmente, as CTU têm menor capacidade e estão ligadas às unidades de saúde já existentes, e os CTC são estruturas interdependentes com maior capacidade. No entanto, não há uma definição rigorosa de UTC ou CTC e os nomes são, por vezes, usados indiferentemente. Os princípios para os cuidados e higiene dos pacientes são os mesmos para ambos.
  • As CTU/CTC devem estar abertas 24 horas por dia e administrar reidratação oral e intravenosa.
  • As CTU/CTC devem ser criadas para permitir o acesso ao tratamento aos pacientes quanto possível nas zonas afetadas. Ao criar uma CTU/ CTC, há que envolver a comunidade para garantir que as pessoas usam essas estruturas.
  • Embora não exista um desenho padrão para as CTU/CTC, há vários princípios que devem ser seguidos, tais como um fluxo de paciente unidirecional e a separação das zonas de cuidados aos pacientes das zonas destinadas apenas ao pessoal.
  • As CTU/CTC podem ser instaladas em enfermarias isoladas nos hospitais ou centros de saúde, numa tenda no recinto de um centro de saúde ou em unidades especiais em edifícios da comunidade, tais como pavilhões desportivos.
  • No decorrer de grandes epidemias, as estruturas instaladas em tendas destinadas a acomodar grande número de pacientes com cólera podem ser mais fáceis de gerir do que outras opções.
  • Nos centros urbanos ou em contextos específicos, uma estrutura intermédia, por vezes denominada de centro de estabilização, pode ser usada para administrar reidratação oral e, se o paciente estiver gravemente desidratado, iniciar o tratamento com fluido intravenoso, antes da transferência do paciente para uma CTU /CTC.
  • As CTU/CTC devem cumprir medidas rigorosas de PCI para minimizar o risco de propagação.

Recursos humanos e materiais nas CTU/CTC

  • Durante o surto, as CTU/CTC devem funcionar 24 horas por dia e elaborar um plano para a rotação do pessoal.
  • Dar formação em gestão clínica dos casos, para que os profissionais de saúde sejam capazes de tratar a desidratação e as complicações mais comuns. Usar protocolos validados pelo Ministério da Saúde do país.
  • Fazer formação em medidas de PCI, incluindo a prevenção da transmissão a nível da unidade, uso de equipamento de proteção individual, designadamente luvas e batas, preparação e uso seguros de diferentes soluções de cloro, procedimentos de desinfeção e gestão dos resíduos.
  • Afixar auxiliares de trabalho, como protocolos de tratamento e PCI, nas zonas de trabalho para possibilitar uma consulta rápida.
  • Fornecer material suficiente a todas as unidades de cuidados de saúde e PRO que possam tratar casos de cólera. O material não deve ser limitado a líquidos intravenosos; a maioria dos pacientes pode ser tratada apenas com SRO.
  • Preparar quantidades suficientes de SRO, usando água potável, para cobrir as necessidades diárias.
  • A SRO deve ser descartada após 12 horas, se for guardada fora de um frigorífico, ou 24 horas, se refrigerada.
  • Deve haver sempre disponível no local uma reserva de água para 3 dias.
  • Organizar um abastecimento adequado de material WASH, incluindo cloro, meios de teste do cloro residual, produtos de limpeza, recipientes para preparação da solução de cloro, fatos de proteção, estações de lavagem de mãos, caixotes de lixo e tróleis/carrinhos de mão, sacos para corpos, etc.
  • A gestão de stocks é uma parte importante da gestão de CTU/CTC e PRO. A taxa de utilização do material pode variar muito no decurso de uma epidemia. Deve ser guardada no local uma reserva mínima para 3 dias ou mais, conforme a fiabilidade e a regularidade da entrega dos materiais. Essas reservas devem ser geridas por pessoal especializado, se possível.

Organização e funções das CTU/CTC

  • A organização das CTU/CTC deve facilitar os cuidados a dispensar aos pacientes com cólera, minimizando ao mesmo tempo o risco de se tornarem fontes de contaminação.
    • As diferentes áreas da estrutura (tais como, as áreas de tratamento dos pacientes e as áreas dedicadas apenas ao pessoal) devem estar claramente definidas.
    • O fluxo de pacientes deve ser unidirecional e cumprir estritamente as regras.
    • Junto de cada paciente, deve haver apenas um cuidador.
    • Deve haver pontos de entrada e saída claramente assinalados.
    • As CTU/CTC devem ter sanitários e casas de banho/duche separados e apenas para utilização dos pacientes. Se possível, o pessoal deve ter instalações separadas.
    • As áreas destinadas a cuidados aos pacientes devem ser segregadas por género, sempre que possível.
    • Ao construir sanitários e casas de banho/duche deve ter-se em especial atenção os grupos vulneráveis, nomeadamente as pessoas portadoras de deficiência, pessoas idosas e mulheres grávidas.
  • As principais funções a assegurar nas CTU/CTC incluem:
    • avaliação do estado de desidratação dos pacientes;
    • registo dos pacientes;
    • prestação de tratamentos, incluindo fluidos intravenosos, terapêutica com SRO, zinco e tratamento com antibióticos;
    • prestação direta de cuidados aos pacientes, incluindo a alimentação e a higiene pessoal;
    • prevenção e controlo da infeção através de medidas apropriadas para o tratamento da água, limpeza e desinfeção das estruturas de tratamento, preparação dos alimentos, lavandaria, gestão de resíduos, limpeza e desinfeção dos veículos de transporte de pacientes e manuseamento dos cadáveres;
    • oferta de educação em saúde e higiene para os pacientes e seus familiares e cuidadores;
    • garantia de segurança e proteção do ambiente através de um vigilante para a informação, controlo do fluxo de pacientes e proteção dos stocks (alimentos, medicamentos e materiais), assim como das vedações, se necessário.
  • Organizar as CTU/CTC nas seguintes áreas (Figura 2):
    • entrada e saída (rastreio dos pacientes e área de lavagem das mãos)
    • área de observação dos pacientes sem desidratação ou com alguma desidratação (plano A e B)
    • área de hospitalização para os pacientes com desidratação grave (plano C)
    • área reservada aos materiais, escritórios, etc.
    • área de recuperação para os pacientes já sem sinais de desidratação
    • área de resíduos (lavandaria, baldes de lixo, etc.)
    • morgue

Figura 2. Configuração de uma UTC /CTC

Fig2

Medidas de PCI numa CTU /CTC

As medidas de PCI são essenciais para evitar que as estruturas de tratamento sejam fontes de infeção pela cólera. Serviços adequados de WASH são indispensáveis para cuidados aos pacientes e para PCI dentro e em volta das CTU/CTC

  • Organizar as CTU/CTC em zonas claramente separadas e com um fluxo unidirecional dos pacientes.
  • Assegurar a existência e manutenção de lavatórios de mãos, com água potável e sabão, nas CTU/CTC, para os profissionais de saúde e os cuidadores dos pacientes em cada enfermaria, na entrada e saída.
  • Garantir o regular fornecimento de baldes, roupas, cloro, material de limpeza, vestuário de proteção, pulverizadores, caixotes de lixo e berços para bebés com cólera.
  • Assegurar medidas para a eliminação segura de dejetos e vómitos. Se possível, sanitários para os pacientes com cólera devem ser separados dos sanitários usados por outras pessoas. Se possível, deve haver sanitários segregados por sexo.
  • Garantir que existe água suficiente para cobrir as necessidades diárias dos pacientes, cuidadores e pessoal, estimada em 60 litros por paciente e por dia, e 15 litros por pessoa e por dia, para os cuidadores, embora isso possa variar conforme o contexto, a cultura e o clima. Se não existir uma fonte de água no local ou próxima, que esteja protegida contra a contaminação e seja bem gerida, podendo fornecer a quantidade suficiente de água à unidade, esse fornecimento deverá ser assegurado por camiões-cisterna.
  • Preparar uma solução de cloro para desinfeção de acordo com a utilização (ver Apêndice 9 – soluções de cloro conforme a utilização).
    • Usar uma solução de cloro a 2% para desinfetar os cadáveres e os fluidos corporais (incluindo vómitos e fezes).
    • Usar uma solução de cloro a 0,2% para desinfetar todas as partes das enfermarias da cólera, chão, sanitários, cozinha, casas de banho e chuveiros/banheiras, camas ou berços, roupa de cama dos pacientes, vestuário, utensílios, recipientes e pratos, recipientes de lixo e respetivas tampas, veículos usados para transportar pacientes e equipamento de proteção individual (luvas, botas, óculos, etc.).

Tabela 1. Modo de transmissão e regras essenciais na CTU /CTC

table-1

  • Deve usar-se água e sabão nas estações de lavagem de mãos para as mãos nuas e para a pele. Se não houver sabão, use desinfetante de mãos à base de álcool (ABHR). Se não houver sabão nem ABHR, use uma solução de cloro a 0,05%.
  • Os profissionais de saúde devem lavar as mãos de acordo com os “Cinco momentos de higiene das mãos” da OMS:
    • antes de tocar num paciente
    • antes de procedimentos de limpeza ou assépticos
    • depois de exposição a fluidos corporais/riscos (isto é, depois de manusear equipamento ou materiais potencialmente contaminados, tais como roupa para lavar, restos de comida, pratos, vómitos e baldes com fezes)
    • depois de tocar num paciente
    • depois de tocar em superfícies ou objetos próximos do paciente
  • Outros momentos importantes em que os profissionais de saúde devem lavar as mãos incluem a entrada e a saída de áreas onde se encontrem pacientes, depois de usar um sanitário (ou manusear as fezes de uma criança), depois de manusear cadáveres e antes de preparar e manusear alimentos.
  • A roupa de cama e o vestuário dos pacientes devem ser desinfetados com uma solução de cloro a 0,2% e secados ao sol. Se o cloro for escasso ou não existir, a desinfeção pode ser feita agitando as roupas durante 5 minutos em água a ferver e secando-as à luz direta do sol, ou lavando-as com sabão e secando-as bem à luz direta do sol.
  • Assegurar a gestão adequada dos resíduos, assim como o seu escoamento.
    • Criar um sistema de escoamento funcional nas CTU /CTC para evitar a inundação de zonas contaminadas (sanitários, lavandaria, lixeira).
    • Garantir que o escoamento nas instalações dos CTU/CTC é devidamente gerido e não inundará as zonas adjacentes, nem contaminará o lençol freático.
    • Garantir que os fluidos corporais (incluindo fezes e vómitos) são regularmente esvaziados nos sanitários dos pacientes com cólera.
    • Não se recomenda deitar cloro diretamente nos sanitários.
    • Os baldes de plástico ou outros recipientes usados para transportar fluidos corporais devem ser desinfetados usando solução de cloro a 2%.
    • Os funcionários da limpeza, as pessoas que trabalham com cloro e os gestores de resíduos devem receber formação adequada em PCI e receber equipamento de proteção individual adequado. O equipamento de proteção e o vestuário devem ser lavados com uma solução de cloro a 0,2% e deixados a secar ao sol.
  • Garantir que as regras essenciais são respeitadas nas CTU /CTC para minimizar o risco de propagação (Tabela 1).

Avaliação das CTU/CTC

  • O rápido acesso à reidratação é essencial para evitar mortes devido à cólera. Se o tratamento for devidamente gerido, nenhum paciente admitido deve morrer de cólera.
  • As mortes podem ocorrer por demora na chegada às CTU/CTC ou por demora no início do tratamento de emergência adequado em virtude, por exemplo, da sobrecarga de trabalho do pessoal, falta de profissionais devidamente treinados ou falta de material.
  • Durante um surto, poderá haver muitos pacientes que necessitem de cuidados de emergência ao mesmo tempo e, portanto, é essencial que as CTU/CTC e outras unidades de saúde estejam previamente preparadas para dar resposta às necessidades.
  • Conduzir uma avaliação das unidades de saúde para identificar lacunas e ações a implementar para garantir um acesso adequado ao tratamento (ver Apêndice 10 – formulário de avaliação das CTU /CTC).
  • Os principais elementos a avaliar são:
    • abastecimento, armazenamento e qualidade da água
    • medidas de PCI
    • configuração e organização da unidade
    • zonas de rastreio, admissão e observação
    • área de hospitalização
    • cozinha e zonas de preparação das refeições
    • água e saneamento, sanitários, lavandaria e banheiras/chuveiros, incluindo escoamento e potencial de contaminação do lençol freático
    • tratamento dos resíduos
    • gestão dos cadáveres
    • procedimentos e protocolos preparados
    • reservas e materiais
    • gestão dos dados
    • dotação de pessoal
    • educação em saúde e higiene.

Para mais informação, veja GTFCC. Technical Note – Organization of case management during a cholera outbreak. June 2017 (https://www. who.int/cholera/task_force/GTFCC-Case-Management.pdf?ua=1).

Para mais informação

  1. Technical Note Organization of Case Management during a Cholera Outbreak. Global Task Force on Cholera Control. June 2017 Click here
  2. Cholera outbreak: assessing the outbreak response and improving preparedness. Global Task Force on Cholera Control. 2010 Click here
  3. Managing a cholera epidemic. Chapter 6. Setting up cholera treatment facilities and chapter 7. Organisation of cholera treatment facilities. MSF. August 2017. Click here
  4. Case management and infection control in health facilities and treatment sites. UNICEF Cholera Toolkit. 2013 Click here
  5. Technical Note: Water, Sanitation and Hygiene and Infection Prevention and Control in Cholera Treatment Structures. Global Task Force on Cholera Control. January 2019 Click here